Logo após um transplante de coração que durou 23 horas na Polônia em 1987, um médico, completamente exausto após uma cirurgia, observando o coração de seu paciente em uma tela. No canto de trás, um auxiliar adormeceu devido ao cansaço pós-operatório, as duras condições em que a cirurgia foi realizada são claramente visíveis na foto.
Um médico com aparência cansada posa ao lado de um paciente que repousa na mesa de cirurgia. A descrição não deixa de ser verdadeira, mas nem de longe dá conta da complexidade que a imagem representa. Tirada em 1987, na Polônia, a fotografia retrata uma sala de cirurgia 23 horas depois do início de um transplante de coração. O tempo transcorrido explica não só a expressão do médico, mas também a condição de sua assistente. Ela descansa no canto da sala como quem adormece em uma cama quente e macia.
Não por acaso, a foto foi eleita pela National Geographic como a melhor daquele ano. Através de suas lentes, o fotógrafo Jim Stanfield captou a mensagem exata que queria passar: o estado crítico do sistema público de saúde polonês naquela época. Embora fosse indispensável para a população, a falta de investimentos já havia o transformado em algo preocupante, com equipamentos ultrapassados. Mas Stanfield, ao acompanhar cada minuto da cirurgia, registrou mais do que as dificuldades visíveis da saúde pública no país. O fotógrafo também conseguiu contar um pouco da história do médico Zbigniew Religa, um dos cardiologistas mais renomados da Polônia. Ele ficou famoso por ser pioneiro em tecnologia para a saúde. No ano de 1995, foi ele o primeiro cirurgião a transplantar uma válvula artificial.
Mesmo dispondo apenas de aparelhos com tecnologia obsoleta, que tornaram uma cirurgia complexa ainda mais arriscada e longa, ele conseguiu garantir ao seu paciente, Tadeus Zitkevits, uma nova vida, ele viveu 30 anos após o transplante cardíaco e faleceu em 2017. Foi a pessoa que viveu mais tempo após um transplante de coração na Polónia.
O Dr. Zbigniew Religa era um fumante inveterado e, em 8 de março de 2009, morreu de câncer de pulmão, em Varsóvia, na Polônia. O funeral foi realizado no cemitério de não católicos porque Religa era ateu. Seu funeral foi transmitido ao vivo pela televisão. O fotógrafo que tirou a foto e seu paciente Zitkevits Tadeusz estiveram presentes no funeral. Seu paciente de 88 anos segurou a foto tirada naquele dia durante todo o funeral.
A realidade atualmente
Mas e hoje, qual é a realidade de médicos que, assim como Zbigniew Religa fez no passado, realizam transplantes de coração? Conforme explica o cardiologista Renato Kalil, membro da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul (Socergs), “o ato cirúrgico, em si, pode durar de três a quatro horas, se não houver intercorrências intra-operatórias”. Já o processo todo costuma levar entre 12 e 24 horas, de acordo com a distância de transporte envolvida. Ele inclui a notificação da existência de um doador, a mobilização das equipes de retirada de órgãos, o atendimento do processo regulatório, a avaliação de quem doa e a busca efetiva do coração, lista Kalil. Para o cardiologista, a principal semelhança da imagem com a atualidade é mostrada pelo olhar compenetrado de Religa. Ainda que os equipamentos não apareçam na foto, é para eles que a atenção do médico se dirige. Afinal, mesmo naquela época, o monitoramento de parâmetros vitais, respiratórios e hemodinâmicos era fundamental. No entanto, as semelhanças não vão muito mais longe do que isso.
“Nos últimos 30 anos, tivemos muitos avanços no que se refere à qualidade e complexidade dos equipamentos e também na organização das equipes e logística do processo, de maneira a realizar o atendimento por equipes multiprofissionais, em escalas de trabalho bem distribuídas. Dessa forma, evita-se o desgaste pessoal, que a imagem demonstrou, e se qualifica o atendimento”, relata Kalil.
E é essa a luta diária do SIMERS – Sindicato Médico do Rio Grande do Sul: garantir saúde de qualidade para a população e valorizar o trabalho do médico. Por isso, a fotografia tirada por Jim Stanfield também serve como um lembrete. Ela mostra o que acontece quando os investimentos na área são insuficientes e a precarização é uma realidade.