Sepé Tiaraju era índio guarani, nascido José Tiaraju, em 1722 na Redução de São Luiz Gonzaga, era Corregedor da Redução de São Miguel quando Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Madri, de 1750, trocando entre si os Sete Povos das Missões, sob domínio espanhol, pela Colônia do Sacramento, sob domínio lusitano.
As reduções começaram a surgir ainda no século XVII, tendo sido depois destruídas pelos bandeirantes. Em 1750, alcançavam mais de um século de apogeu, após terem sido recriadas em 1641. São Luiz Gonzaga, São Nicolau, São Miguel Arcanjo, Santo Ângelo, São Lourenço e São João Batista – formavam sete cidades que passaram para a história com o nome de Sete Povos das Missões. Abrigavam milhares de índios que foram habitar as aldeias formadas pelos padres jesuítas, que pretendiam “reconduzir” (daí o nome Redução) os nativos à Igreja e à vida em sociedade no Brasil, na Argentina e no Paraguai, formavam a Região “de Las Missiones” em língua espanhola, que nós, por isso chamamos de Missioneira.
Os índios missioneiros viviam em regime cooperativo, trabalhando parte da semana em suas lavouras individuais e outra parte em lavouras coletivas, produzindo para o sustento da comunidade. Órfãos e viúvas eram conduzidos ao “cotiguaçu”, onde recebiam assistência e eram sustentados pelo trabalho coletivo, o “tupanbaé”. A República Comunista Cristã dos Guaranis.
Atingiram os Povos das Missões um tal grau de progresso no trabalho, na educação, nas artes e na cultura que Voltaire, um dos enciclopedistas franceses que pensou junto com outros autores chamados iluministas, as bases da Revolução Francesa de 1789, aproveitando a chamada Grande Experiência dessas Missões latino-americanas, porque única em toda a história da humanidade. É dele a frase: “As Missões Jesuíticas da América do Sul representam um grande triunfo para a humanidade”.
Os jesuítas haviam entrado nestas terras cem anos antes do nascimento de Sepé. Por isso Tiaraju, já de berço era índio cristão. Criança ainda, ficou órfão de pai e mãe, vítimas da peste escarlatina. O próprio Sepé foi atingido por essa peste, que lhe deixou como seqüela, uma cicatriz na testa em forma de lua, um leve afundamento no crâneo que, conforme a posição em que estivesse, a incidência dos raios solares lhe davam uma certa aura de luminosidade. Daí o fato de os guaranis terem acrescentado um apelido, ao nome José que recebera no batismo. Chamavam-no Sepé (José) Tiaraju (facho de luz).
Com oito anos de idade, Sepé foi transferido para a Missão de São Miguel Arcanjo. Apesar de órfão, não sofreu as agruras da situação. Nas Missões não havia nenhum pobre, muito menos criança abandonada. As melhores instalações da cidade, chamadas Cotiguaçu, isto é, Casa dos Órfãos e das Viúvas, eram sustentadas por toda a Comunidade e aos poucos todos eram re inseridos na cidade, com tudo a que tinham direito como qualquer cidadão.
Tiaraju salientou-se de tal modo nos estudos humanísticos e científicos, nos mais diversos serviços da cidade, tais como: agricultura comunitária, o famoso Tupãbaê “trabalho para Deus – artesanato, música, trabalho, metalurgia, confecções em couro, construção das casas e igreja, artes marciais, etc. que, no dia 31 de dezembro de 1749, foi eleito Prefeito da sua cidade de São Miguel Arcanjo, a chamada “pérola dos Sete Povos” através do voto de seus concidadãos. Como era área sob o império espanhol, nessa função levava o nome de corregedor. Administrava a cidade toda, auxiliado pelo “cabildo”, verdadeira Câmara de Vereadores.
No ano de 1750, portanto bem no início da função do novo Prefeito Sepé Tiaraju, os reis de Espanha e Portugal, os dois maiores impérios do mundo de então, assinaram entre eles, o famigerado Tratado de Madri. Por este Tratado, a Espanha entraria de posse da Colônia do Sacramento, uma fortaleza de Portugal, plantada no estuário do Prata, bem defronte à cidade de Buenos Aires. Portugal, em troca da fortaleza, passaria a ser o dono dos Sete Povos do Rio Grande do Sul.
Os índios guaranis destas Sete cidades, conforme o espúrio Tratado, deveriam se bandear para o outro lado do Uruguai, apenas com seus pertences, deixando em mãos portuguesas, suas ricas lavouras de erva mate, seus algodoais e outros produtos agrícolas, além de suas casas, igrejas, mais de dois milhões de cabeças de gado que haviam criado no campo, e, principalmente, a abandonarem a terra de seus ancestrais. Depois de tentar sob todas as formas a revogação do Tratado de Madri, as populações dos Sete Povos, não aceitaram a transferência e decidiram organizar a resistência. Portugal e Espanha uniram seus dois exércitos na altura de Rio Pardo, dispostas a marchar sobre as Missões. Sepé Tiaraju, à frente de mil e quinhentos índios, ao lado de Nicolau Ñenguiru, corregedor da Redução de Santa Maria, marchou para dar combate aos invasores que queriam destruir a pátria guarani. O primeiro combate é travado em 1753, quando indígenas liderados por Sepé impediram os trabalhos de demarcação, na Capela de Santa Tecla, no dia 27 de fevereiro.
Não podendo se contrapor diretamente ao grande poder de fogo do inimigo que dispunha de canhões e fuzis, enquanto os índios, além de arco e flexa, dispunham apenas de lanças, Sepé, como hábil estrategista que era, inventou a guerrilha. Incomodava constantemente o inimigo através de pequenas escaramuças. Essa tática foi tão interessante que os dois exércitos europeus, em determinado momento da guerrilha capitaneada pelo índio Tiaraju, assinaram com ele um armistício. Naturalmente, a fábula do lobo e do cordeiro se reproduziu na frente de batalha. O armistício serviu apenas para os exércitos de Espanha e Portugal buscarem reforços em homens e armamentos.
No dia 7 de fevereiro de 1756, numa dessas escaramuças da guerrilha, Sepé tombou no Batovi ou Sanga da Bica, na entrada da hoje cidade de São Gabriel. Foi alanceado no chão, quando, em corrida desabalada o cavalo de Sepé falseou a pata num desnível. Atrás do soldado vinha, também em perseguição ao chefe indígena, o próprio comandante-em-chefe do exército da Espanha. Com uma bala certeira de sua pistola, deu-lhe o tiro de misericórdia, esfacelando-lhe a cabeça. Três dias depois, a 10 de fevereiro de 1756, no alto da Coxilha do Caiboaté, também no hoje município de São Gabriel, os 1500 guaranis foram massacrados a tiros de canhão e fuzil, pelas tropas de Espanha e Portugal. Era o fim da utopia guarani.
Ao anoitecer do dia mesmo em que tombou Sepé, os companheiros guaranis conseguiram resgatar seu cadáver e o sepultaram com as honras possíveis naquelas circunstâncias, entre prantos e as orações a que estavam acostumados nos funerais das Missões. Começaram no mesmo instante a invocá-lo como Santo e Protetor junto de Deus. O povo rio-grandense também o canonizou. São Sepé Tiaraju está na base do nativismo dos pampas.
A Sepé é atribuída a famosa frase, redigida em cartas à Coroa da Espanha após a assinatura do Tratado:
“Alto lá! Está terra tem dono!”
No ano de 1979, mais de dois séculos depois, a Unesco, órgão das Nações Unidas para Educação e Cultura, tombou as Ruínas de São Miguel Arcanjo como Patrimônio da Humanidade. No ano de 2006 comemorou-se os 250 anos da morte e canonização popular de Sepé Tiaraju. Por isso foi encaminhado, na Assembléia do Estado, um projeto de lei proclamando Sepé Tiaraju Herói Guarani Missioneiro Rio-Grandense.