O Fusca, carro mais querido e vendido do mundo, não existiria sem o esforço do ditador mais cruel e odiado do século 20: Adolf Hitler.
A mesma mente diabólica que comandou o holocausto judeu, provocou a 2ª guerra mundial e levou a Alemanha à ruína foi essencial para a criação do carro mais simpático e mais vendido no mundo – o bom e velho Fusca. Sem o apoio de Adolf Hitler a um carro popular para os alemães, o primeiro projeto do Fusca, feito por Ferdinand Porsche em 1932, ficaria até hoje na gaveta.
Embora jamais tenha aprendido a dirigir, Hitler era fã de automóveis. Ainda em 1923, quando o partido nazista lutava para chegar ao poder na Alemanha e sobrevivia com a contribuição de poucos membros, Hitler comprou um Mercedes, criticado por colegas, ele justificou: “O automóvel para mim é um meio para o fim, pois torna possível a realização do trabalho diário”. Depois de eleito, como nenhum político anterior, o líder nazista usava o carro para percorrer as longas distâncias entre suas tropas.
O “Besouro”, como é chamado nos Estados Unidos e na maior parte dos países, cativou o mundo.
A idéia de elevar o prestígio do país com um carro puro-sangue alemão veio após o fiasco da Olimpíada de Berlim, em 1936, quando o velocista negro Jessé Owens pôs abaixo a teoria nazista de superioridade racial. Depois da competição, Hitler deu dinheiro de sobra para garantir sucessivas vitórias da equipe Mercedes nas pistas do Grand Prix – campeonato mundial disputado até 1949 e que antecedeu a Fórmula 1.
A obsessão de criar o “carro do povo” (volkswagen, em alemão) veio durante o curto período que Hitler passou na prisão, após a tentativa fracassada de derrubar o governo no golpe conhecido como Putsch de Munique, em 1923. Condenado a 5 anos, Hitler acabou cumprindo apenas 9 meses na cadeia de Landesberg. Lá, dividiu o tempo entre a leitura da autobiografia de Henry Ford (que também era anti-semita e adorava carros) e a tarefa de escrever suas memórias no livro Minha Luta. Nelas, Hitler fala em “quebrar os privilégios automobilísticos das classes mais ricas” e de quebra colher os dividendos políticos. Em 1933, quando ele foi eleito chanceler, a Alemanha andava a pé. Tinha apenas um automóvel para 100 habitantes, enquanto a vizinha França tinha um para cada 28 e os EUA, um para cada 6. Na abertura da feira automobilística de Berlim de 1934, Hitler discursou: “É uma triste constatação que milhões de pessoas boas e esforçadas sejam excluídas do uso de um meio de transporte que, especialmente aos domingos e feriados, poderia se tornar uma fonte indecifrável de alegria”.
Início do projeto
Em 1930 a Alemanha, assolada por uma dura recessão, tinha um dos piores índices de motorização da Europa. Nesta época popularizou-se a expressão “Volkswagen” (Volks, povo, Wagen, carro, significando carro do povo), simbolizando o desejo dos alemães de possuir um carro popular, barato e econômico que servisse toda a família. Naquela época, diante das dificuldades econômicas, isto parecia impossível.
Esta idéia cativou também o projetista de carros austríaco Ferdinand Porsche, que em 1931 defendia a idéia de produzir um carro popular. Neste mesmo ano a Zündapp, fabricante de motos, encomendou a Porsche a construção de três protótipos. Eles foram batizados de “Tipo 12”, já que Porsche numerava todos os projetos de seu escritório, o Konstruktionbüro.
Porsche estava bastante entusiasmado com o projeto. O carro seria pequeno, com motor traseiro de três cilindros em “W”, e teria carroceria aerodinâmica para reduzir a potência necessária e o tamanho do motor. Os primeiros modelos, ainda muito diferentes do “Fusca”, estavam prontos em 1932. No entanto, a Zündapp, por problemas financeiros, rompeu o contrato. Porsche, porém, já havia negociado com outro fabricante, a NSU, para desenvolver o “Volkswagen”. O modelo da NSU foi chamado de “Tipo 32”, e já era bem semelhante ao “Fusca” como o conhecemos. No entanto, em 1933, a NSU desistiu do projeto.
Apoio de Hitler
Nesta época Hitler havia tomado o poder na Alemanha e estava comprometido com a modernização do país e a recuperação da economia, principalmente do emprego. Para Hitler a idéia de um “carro do povo” feito por trabalhadores alemães e viajando por todo o país era a exata realização desta plataforma política. Em 1933 um amigo de Porsche dos tempos em que ele trabalhava na Daimler, Jacob Werlin, intermediou um encontro de Porsche com o ditador. Neste encontro, Hitler mostrou-se bem informado sobre os projetos de Porsche na NSU e com opinião formada sobre o “carro do povo”. Segundo Hitler ele deveria ser barato, não ultrapassando os mil marcos imperiais, transportar de quatro a cinco pessoas e alcançar 100 km/h com uma média de consumo de 14 km/litro.
Embora para Porsche aquele parecesse um sonho impossível, Werlin o convenceu a aceitar a verba de vinte mil marcos por mês para desenvolver o projeto. Assim, o contrato foi assinado em 1934 e os equipamentos foram instalados na casa de Porsche em Stuttgart.
Os problemas do projeto
As dificuldades técnicas envolvidas no projeto não eram poucas. Fabricar um carro pequeno que tivesse o desempenho e confiabilidade das especificações era um desafio bem maior que o projeto de outros carros da época, e exigia o desenvolvimento de novas tecnologias e de soluções inteligentes.
O motor foi uma dificuldade à parte. Primeiro, foram tentados motores de dois e três cilindros, para reduzir os custos, mas eles não eram confiáveis e não produziam a potência necessária para o carro.
Para economizar espaço pela eliminação do radiador, optou-se por um motor refrigerado a ar. Como o motor era traseiro, havia problemas técnicos para a tomada de ar para a refrigeração.
Um engenheiro da equipe de Porsche sugeriu usar um motor radial de cinco cilindros, que já estava pronto. Inicialmente a idéia pareceu absurda, pois este era um “motor de avião”. No entanto, por algum tempo, tentou-se esta solução.
Finalmente, foi escolhido o motor traseiro de quatro cilindros (boxer oposto dois a dois) refrigerado a ar. A suspensão era resistente, por barras de torção, o que reforçava a idéia de um carro popular e durável.
Chapas de metal curvado, encurtando o capô dianteiro e a traseira “corcunda” acabaram dando ao carro o aspecto característico de “besouro”. O problema com a traseira tão curta foi obter espaço para o motor. Uma idéia genial, adotada no Fusca, foi inclinar o motor levemente para dentro, o que economizava preciosos centímetros do capô.
Testes do protótipo
Depois de muita dificuldade com o projeto, três protótipos do primeiro Volkswagen, dois chamados V1 e um conversível V2, ficaram prontos e foram entregues a RDA em 12 de outubro de 1936 para testes. Em três meses cada um deles rodou 50 mil quilômetros, enfrentando os piores terrenos, durante uma rotina de testes seis dias por semana. O relatório final da RDA aprovava o projeto. Os problemas ficaram apenas no freio, que ainda era a varão, e o virabrequim (girabrequim), que quebrava com freqüência.
Em 1937 foram produzidos trinta unidades pré-série, a cargo da Daimler-Benz e financiados pela RDA. Eles foram submetidos a uma bateria de testes ainda mais dura, chegando os trinta em conjunto a rodar 2,4 milhões de km nas mãos de membros das SS, a tropa de elite de Hitler.
Início da produção
O carro foi batizado oficialmente de KdF-wagen (KdF significa “a força pela alegria”) pois houve o envolvimento da frente de trabalho alemã, a KdF, para levantar os fundos necessários para a construção da fábrica. A KdF decidiu que cada carro seria vendido por um sistema, parecido com o que existe no Brasil, chamado de consórcio, em que o interessado deveria pagar 5 marcos por semana e tomar posse do carro apenas depois de completar os pagamentos. Apesar disto, cerca de 175 mil alemães aderiram ao plano.
Em 26 de maio de 1938 foi colocada a pedra basilar da fábrica, com a presença do próprio Hitler. Mais de setenta mil pessoas participaram da solenidade. No entanto, em 1939 com o início da Segunda Guerra Mundial, a produção foi interrompida e a fábrica dedicada a produzir veículos de guerra, como o jipe Kübelwagen e o carro anfíbio Schwimmwagen, ambos baseados na plataforma do “Fusca”.
Retomada da produção no pós-guerra
Após a guerra, a Alemanha foi dividida em zonas que ficaram sob controle dos aliados. A zona em que ficava a fábrica do Volkswagen, complexo chamado de “Cidade KdF”, rebatizada após a guerra de Wolfsburg, ficou na zona controlada pelos britânicos. O comando da fábrica ficou nas mãos do Major Ivan Hirst, um apaixonado pelo “Fusca”.
Os britânicos, sem saberem exatamente o que fazer com a fábrica, acabaram por reativar a produção em agosto de 1945, para produzir carros para as forças de ocupação e para o serviço público alemão. No entanto, os britânicos não desejavam administrar para sempre a fábrica e tinham de encontrar uma forma de passá-la para o governo alemão. A solução foi chamar o antigo dirigente da RDA, e inimigo do “Fusca” nos seus primórdios, Heinz Nordhoff, para assumir a fábrica. Fê-lo em janeiro de 1948, com carta branca do Major Hirst, e ficou no cargo até sua morte em abril de 1968.
Logo Nordhoff percebeu que a única forma de expandir a fábrica, e gerar importantes empregos para os alemães no pós-guerra, era exportar os “Fuscas”, particularmente para os Estados Unidos.
Nos Estados Unidos os “Fuscas” logo se tornaram uma paixão, mesmo sem muita propaganda, que era feita da boca para o ouvido, entre os apaixonados pelo “carrinho”.
O sucesso e o fim da produção
O sucesso das iniciativas de Nordhoff, incluindo peças de publicidade criativas e divertidas, somado ao charme do “carrinho”, acabou tornando o “Fusca” o carro mais popular da história do automobilismo, superando em 1972 o recorde do Ford modelo T, ao comemorar a produção de 15.007.034 unidades.
Em 1973 ocorreu o auge da popularidade e produção, com 1,25 milhão unidades produzidas no ano. A partir de então, a produção começou a cair, até que a produção do carro foi encerrada no México em 2003, registrando o recorde de 21.529.464 “Fuscas” produzidos no total.