São Miguel pode ser o início ou o fim da visita à República Guarani. O início, se a viagem começar pelo Rio Grande do Sul, seguindo pela Argentina. O fim, se a viagem começar pelo Paraguai, seguindo pela Argentina, para quem vem do exterior ou de outros Estados. Em qualquer circunstância será um excelente passeio. Obrigatório para quem ainda não conhece a região!
A única ruína importante no Rio Grande do Sul é a Igreja de São Miguel Arcângelo, a mais bem preservada de todo o conjunto missioneiro e que passou, anos atrás, por um grande reforço estrutural, a sua frontaria e a torre estavam com uma inclinação acentuada e corriam o risco de desabar. Foram feitos enxertos de concreto para reforço e, no momento, já não existe perigo. Aliás, houve ali no início de 1998 um show histórico, de José Carreras. Em dezembro de 1983, juntamente com San Ignácio Mini, na Argentina, a igreja de São Miguel foi reconhecida pela Unesco como Patrimônio da Humanidade.
São Miguel era um antigo povo do Tape, na margem direita do Rio Ibicuí. Quando começaram os ataques dos bandeirantes na região do atual Rio Grande do Sul, esse povo mudou-se para o atual território argentino, onde fundou uma redução do mesmo nome. Passada a ameaça dos bandeirantes, os índios voltaram a cruzar o rio Uruguai em 1687, fundando a redução nas margens do rio Jaguari, onde, em razão de outros ataques, constantes nos meses que se seguiram, mudou-se novamente, ainda antes de 1690, para o local onde atualmente se encontram as ruínas.
Igreja foi incendiada pelos próprios índios
A igreja, cujas ruínas são preservadas, foi construída somente algum tempo depois. A construção foi iniciada em 1735 e encerrada dez anos depois, sob a condução do arquiteto italiano João Batista Primolli, o mesmo que também construiu San Ignácio Mini, anos antes. A igreja, toda em estilo renascentista, possuía três naves com cinco altares dourados e cobertos de imagens de santos, em pedra e madeira, todas talhadas pelos próprios índios.
Com 70 metros de comprimento e 30 de largura, tinha o seu teto, em telhas de barro, sustentado por vigas de madeira, completamente destruídas quando a igreja foi incendiada pelos próprios índios, ao fugirem, depois de 1750, com a aproximação dos exércitos português e espanhol encarregados de dar proteção às demarcações executadas durante a implementação do Tratado de Limites, assinado entre as duas coroas.
Ainda restam alguns vestígios dessas vigas de madeira. Tanto essa igreja, como as de San Ignácio Mini (Argentina) e Trinidad (Paraguai), foram construídas com grandes blocos de pedras, alguns com até mil quilos, assentadas uma sobre a outra, graças a um recorte muito bem feito.
Frontaria intacta
A frontaria da Igreja de São Miguel, ao contrário das demais, está inctacta, e tem 20 metros de altura. Não tem, porém, os detalhes trabalhados, que podem ser vistos nos restos das frontarias das igrejas de San Ignácio e Trinidad. Ao lado direito da frontaria da igreja de São Miguel, está a torre, com 25 metros de altura, onde originalmente havia cinco sinos, um dos quais, com mil quilos, está no museu existente nas ruínas. Esse e os demais sinos podem ter sido fundidos na redução de São João Batista, próximo dali, onde se instalou a primeira fundição da América Latina.
Essa torre foi demolida em 1938 e 39 e reerguida, com as pedras sendo colocadas nos mesmos lugares, pois, na época, já havia ameaça de ruir. A igreja deveria ter uma segunda torre, onde seria instalado um observatório astronômico, mas, com a guerra contra os portugueses e espanhóis e os conflitos posteriores, não houve tempo para que fosse erguida.
À direita da igreja, nos fundos, existem vestígios dos aposentos dos padres, com pisos originais e, ao redor do pátio, na frente desses aposentos, restos da prisão, cozinha, colégio, armazéns, arsenais e oficinas. No lado esquerdo, podem ser vistas as ruínas do hospital, casa de recolhimento (para as viúvas) e o cemitério, do qual somente resta parte do muro.
A mil metros dali foram descobertas nos últimos anos as fontes de abastecimento de água. A área construída da redução deveria ter ao redor de seis hectares, a maior parte dos quais, no entanto, cobertos pela terra, existindo, sobre eles, diversas construções comerciais e públicas. No sub-solo de São Miguel encontra-se um desconhecido mas certamente importantíssimo patrimônio arqueológico.
O local ainda permanece como um fértil campo de estudos para arqueólogos, historiadores e outros especialistas, havendo vários projetos em desenvolvimento ligados à antiga redução, e tem gerado considerável bibliografia acadêmica. Na declaração de Roberto di Stefano, consultor da UNESCO, o sítio é o monumento brasileiro mais estudado cientificamente. A UNESCO e o IPHAN têm dado apoio continuado à preservação material do sítio, ao resgate de seu patrimônio imaterial e à promoção de atividades culturais e educativas, e entre as outras instituições que têm participado ativamente no fomento de vários aspectos do sítio estão o World Monuments Fund, o Instituto Brasileiro de Museus, o Instituto Andaluz do Patrimônio Histórico e o Instituto Ítalo-latino-americano.