O abutre e a menina

A foto “o abutre e a menina” impactou o mundo do fotojornalismo, chocou milhões de pessoas e mudou de forma trágica a vida do fotógrafo Kevin Carter que a capturou.
Em março de 1993, os fotógrafos sul-africanos Kevin Carter e João Silva pousaram na aldeia de Ayod, no Sul do Sudão junto com uma missão de ajuda humanitária da Organização das Nações Unidas (ONU). Ali se concentravam cerca de 15 mil pessoas em busca de comida e fugindo dos conflitos da guerra civil. Depois de fazer várias campanhas sem sucesso para sensibilizar a opinião pública internacional e as autoridades ocidentais para o drama da fome no Sudão, a ONU decidiu ser mais agressiva na sua missão de expor ao mundo a crise humanitária no país. Então, convidou os dois fotojornalistas para registrar como a fome ameaçava a vida de milhões de pessoas e, posteriormente, sensibilizar o mundo através das fotografias.
Eles não foram escolhidos à toa. Os dois fotojornalistas já eram, na época, internacionalmente famosos. Eles faziam parte do “Clube do Bangue-Bangue”. Um grupo de quatro fotojornalistas sul-africanos (Kevin Carter, João Silva, Greg Marinovich e Ken Oosterbroekeram) que alcançaram enorme notoriedade mundial ao cobrir conflitos raciais na África do Sul, entre os anos de 1990 e 1994, durante a transição do regime de apartheid para um governo democrático e baseado no sufrágio universal. Este período foi de muita violência entre facções de grupos negros, especialmente o conflito entre o Congresso Nacional Africano (ANC) e apoiantes do Partido da Liberdade Inkatha (IFP), após ambos os partidos políticos terem sidos proibidos de atuar.
A história sobre o grupo de fotojornalistas virou um filme, dirigido por Steven Silver e estrelado por Taylor Kitsch, Ryan Phillippe e Malin Akerman, “The Bang Bang Club”, estreou no Festival Internacional de Cinema de Toronto em 2010.

Como foi feita a foto “o abutre e a menina”?
Em 11 março de 1993, os funcionários da ONU, estavam distribuindo alimentos na região Sul do Sudão. Os sudaneses famintos, se atropelavam na busca desesperada para conseguir um pouco de comida. Era o momento certo para Carter e Silva registrarem fotos da situação terrível que viviam aquelas pessoas.
Naquele dia, enquanto João Silva ficou fazendo fotos de uma clínica médica, utilizada para atendimento dos casos mais graves de saúde, Kevin Carter ficou clicando os arredores do local (um Centro de Alimentação). De repente, Carter se deparou com uma cena terrível e chocante: uma criança esquelética, de mais ou menos quatro a cinco anos, estava agachada, olhando para o chão. Atrás dela, a poucos metros de distância, um abutre a observava. A criança faminta estava muito fraca e, aparentemente, buscava recuperar forças naquela posição antes de tentar continuar sua jornada até o centro de alimentação da ONU. Kevin, apontou a câmera e registrou a cena várias vezes.
Logo depois de registrar a cena, Kevin encontrou o colega João Silva e disse: “Cara, você não vai acreditar o que acabei de fotografar! Eu estava fotografando uma criança ajoelhada, aí mudei de ângulo e, de repente, havia um abutre bem atrás dela!”.

Como a foto ficou conhecida em todo o mundo?
Semanas depois, em 26 de março de 1993, o jornal The New York Times fez um texto sobre a situação no Sudão e usou a foto de Kevin Carter para ilustrar a matéria e assim a imagem foi publicada pela primeira vez. A repercussão foi imensa e a foto ganhou destaque em todo o mundo. A foto foi republicada em milhares de jornais, revistas e exibida em emissoras de televisão nos quatro cantos do planeta. Desta forma, finalmente a ONU conseguiu através da fotografia sucesso em angariar grandes doações para o combate a fome no Sudão. Kevin Carter ganhou ainda mais visibilidade com a imagem e, em 1994, levou o prêmio Pulitzer, na época o mais importante do fotojornalismo mundial.
Mas o que parecia uma história de sucesso do fotógrafo Kevin Carter após captar a imagem, acabou de forma trágica. A editora do The New York Times, Nancy Buirski, revelou que logo após a foto ser publicada, as pessoas começaram a ligar para o jornal. Queriam saber o que havia acontecido com a menina após a foto. Se a criança havia sobrevivido e se o fotógrafo havia lhe ajudado.
A reação à foto foi tão forte que o New York Times publicou uma nota incomum sobre o destino da garota. Inicialmente, Kevin Carter contou que havia espantado o abutre e que sentou e chorou debaixo de uma árvore. Depois também disse que a menina se levantou e caminhou até a clínica médica onde o fotógrafo João Silva estava fotografando. Porém, a opinião pública não ficou satisfeita com as explicações da conduta de Kevin Carter. As pessoas queriam saber porque ele não tinha levado a menina para um lugar seguro.

Fotógrafos devem prestar assistência as pessoas em situações perigosas?
E assim se iniciou um grande debate sobre a atuação de jornalistas e fotojornalistas em áreas de conflito, guerra e fome. A questão central da discussão era: os fotógrafos deviam prestar assistência as pessoas em situações perigosas ou apenas cumprirem seu dever de registrar os fatos? O jornal St. Petersburg Times, da Flórida, criticou duramente a foto de Kevin Carter: “O homem ajustando suas lentes para capturar o enquadramento exato daquele sofrimento poderia muito bem ser um predador, um outro urubu na cena”.

Quem era a criança na foto de Kevin Carter?
Havia uma pulseira de plástico do posto de alimentação da ONU na mão direita da menina que aparece na foto. Na pulseira está escrito o código “T3”. A letra “T” era usado para pessoas com desnutrição grave e o número 3 indicava a ordem de chegada ao centro de alimentação. Ou seja, a criança da foto de Kevin Carter foi a terceira a chegar ao centro de alimentação e já estava recebendo ajuda da ONU. A foto de Kevin registrou ela tentando voltar novamente ao local para conseguir mais alimento.

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