Por que humanos e chimpanzés não tem mais rabo?

Cientistas descobrem mutação que causou mudança, eles criaram camundongos com DNA alterado e os animais nasceram sem rabo, a pesquisa ajuda a explicar problema de desenvolvimento embrionário.

Há cerca de 20 milhões de anos, os primatas que deram origem ao grupo dos “hominoides” (que inclui gorilas, chimpanzés e humanos) deixaram de ter cauda. Ainda não se sabe exatamente por que razões evolutivas isso ocorreu, mas um novo estudo mostra como uma alteração no DNA levou nós e os grandes macacos a perdermos essa parte do corpo. Desde a publicação do genoma dos humanos e de seus parentes evolutivos mais próximos, há mais de dez anos, cientistas buscam entender qual foi a mutação (ou mutações) que levaram esse grupo peculiar de primatas a crescer sem um rabo.

Alguns genes (trechos de DNA que codificam proteínas) já tinham sido apontados como prováveis locais onde mutações causariam essa alteração física. A busca vinha sendo, até agora, pouco produtiva. Quando os genomas de hominoides eram comparados com macacos portadores de caudas, mais distantes evolutivamente, muitas diferenças eram apontadas, mas nenhuma que parecesse particularmente ligada ao surgimento de primatas anuros (sem cauda), como nós. Embriões humanos, tecnicamente, possuem caudas, mas ela para de crescer a partir de certo momento da gestação, e se transforma no osso que hoje conhecemos como cóccix.

A revista Nature publica em sua edição desta semana, um estudo que parece elucidar o enigma. O trabalho, liderado pelo biólogo chinês Bo Xia, da Universidade de Nova York, encontrou a mutação esperada num lugar inesperado. Normalmente, mudanças bruscas de características físicas de uma criatura estão ligadas a partes “codificantes” do genoma. Em outras palavras, essa mutações estão em trechos da molécula de DNA que fazem parte da receita para produção de proteínas. Mas não foi isso que ocorreu desta vez.

Xia e seus colaboradores vinham estudando 140 genes candidatos a explicar por que os hominoides perderam a cauda, porque eram trechos do genoma ligados ao desenvolvimento da coluna vertebral e da medula espinhal, da qual o rabo dos macacos é uma extensão. Nada na parte codificante desses genes parecia ter algo de suspeito, mas um deles, identificado pela sigla TBXT, tinha um sinal distinto na parte não codificante. O cientista percebeu que esse gene tinha sido “editado” naturalmente por tipo de segmento chamado transpóson, apelidado de “gene saltitante”. Trata-se basicamente de um pedaço de DNA que consegue copiar a si próprio e “pular” para outras partes do genoma, como se apertasse Control+C e Control+V em lugares aleatórios de um texto.

Ao fazer isso no gene TBXT, porém, o transpóson em questão reproduziu a si próprio de trás para frente, como se copiasse a palavra AMOR escrevendo ROMA. Geneticistas sabem que isso é um problema no DNA, porque esse trechos “palindrômicos” tendem a se atrair. Fazendo um trecho do DNA se enovelar como uma fita adesiva emaranhada, eles podem impedir o maquinário celular de ler corretamente aquele segmento do genoma e produzir uma proteína defeituosa. Para saber quanto do gene esse embaraçamento estava comprometendo, Xia e seus parceiros decidiram testar a hipótese em laboratório. Modificando o DNA de camundongos para reproduzir esse efeito, os cientistas observaram que muitos dos filhotes nasciam com a cauda encurtada ou até sem cauda.

A história de como os ancestrais dos humanos perderam suas caudas, por fim, parece ter uma explicação coerente, com evidência teórica e empírica. De quebra, a descoberta ainda oferece informação médica importante sobro o desenvolvimento do tubo neural, a estrutura embrionária que dá origem ao cérebro e à medula espinhal.

“Os camundongos que expressaram a forma anômala do TBXT desenvolveram defeitos no tubo neural, um problema que afeta cerca de 1 a cada 1.000 recém-nascidos”, escreveu Xia. “Dessa forma, a evolução da perda de cauda pode ter sido associada a um custo adaptativo do potencial de defeitos do tubo neural, que continuam a afetar a saúde humana hoje.”

Por Rafael Garcia – O Globo

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